terça-feira, 30 de março de 2010

É, o que aconteceu?

Esquece essa baboseira de poema...

Vai trabalhar, engole seu sonhos, infeliz...

Esperança é para os fracos, os fortes somente sobrevivem na base do suor... isso sim te faz forte!

Cresça, pague suas contas, viva escravizado pelo poder do dinheiro e pela maldade do tempo...

Aspire coisas que você nunca vai conseguir ter, carros que não vai conseguir comprar, casas em que não vai conseguir morar, países que nunca irá visitar.

Coloque os pés no chão... a vida é cruel!

Acredita em Deus? Então espere até um terremoto derrubar o teto de uma igreja em sua cabeça, ou o chão se partir e você ser engolido pela Terra...

Você está sozinho no mundo, pode gritar, ninguém vai te escutar.

É assim mesmo, cada um por si e não tem Deus prá ninguém!

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A gente chega em um certo momento da vida em que é impossível dar marcha-a-ré. Não adianta! Por mais que você queira engatar, você não consegue.
Aí você tenta engatar primeira, mas o pedal da embreagem tá muito duro.

O que você faz? Fica em ponto-morto!

E depois de um bom tempo em ponto-morto, quem diz que você consegue engatar a primeira?

É difícil mesmo. Confesso!

Dói pra esticar o braço até o câmbio, dói pra pisar na embreagem, dói pra ligar a seta. Quanto sofrimento!

E você pensa, putaquepariu, devia ter ficado em ponto-morto.

Aí anda um pouquinho e volta pro ponto-morto.

Você se sente muito bem, e decide que não vai mais sair dali. Tá tudo muito bem, tudo muito ótimo.

E a vida segue assim, você enjoa de ficar parado, anda um pouco e volta pro ponto morto.

É,

Mas, e a direção hidráulica? Os freios a disco? O teto solar? O motor cheio de cavalos? O air-bag?

Ta esperando o que para usar?

L.H.
05/10/2009

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A Fotografia

Pegou o álbum de fotos, folheou, folheou e encontrou a que procurava. Era uma praia, no verão, ao entardecer, com um arco-íris que riscava o céu de ponta a ponta. Todos estavam contentes, parecia que o mundo havia parado naquele dia. Toalhas estendidas no chão. Poucas cadeiras. Sorrisos e abraços. Um sentimento de conforto lhe acometia.

Uma lágrima escorreu.

Quanta saudade! Quanta vontade de voltar o calendário! O que mais impressionava, era que a fotografia não captara só o momento, captara também o sentimento no rosto de cada um. No centro estavam a Ana, Lúcio, João, Carol, Antonia, Vítor e Laura. No canto direito, ele com sua sunga furta-cor, cabelos compridos e encaracolados, um “White Power” como apelidaram, tamanho o “encaracolamento” dos cachos. Ela estava no canto esquerdo. Todos com sorrisos largos.

Outra lágrima escorreu.

O azul do céu lembrava os olhos dele. A pele bronzeada ficava esquisita contrastando com aquela sunga. Engraçado como a moda muda rapidamente. Todos de Ray-Ban Aviador. As meninas de biquíni de crochê e faixa colorida na cabeça. Cabelos soltos, ondulados, um pouco castigados pelo sol, o que dava um certo charme. Os meninos de sungão, com a barba por fazer e cabelo bagunçado. O que também dava um certo charme.

E riu, colocando a mão na boca, abafando o som.

Pegou a foto e a apertou junto ao peito, como se quisesse que ela entrasse em sua alma. Depois a beijou e passou a mão retirando a saliva que ficara. Sentiu muita saudade, muita. Enxugou as lágrimas que ensaiavam uma queda. Colocou o álbum de volta ao armário e pegou um porta-retrato.

Parou, tomou um pouco de fôlego, levantou e foi para o hall de entrada de seu apartamento.

Olhou novamente para ele e sua sunga furta-cor. Suspirou mais uma vez. Lembrou dos beijos. Dos carinhos. Dos amassos e suspirou mais fundo dessa vez. Como ele era quente, carinhoso, amável. Que pele ótima ele tinha, que química. E suspirou mais uma vez deixando as lágrimas rolarem até caírem sobre o balcão em que se apoiava. Colocou a foto no porta-retrato e o colocou num lugar de destaque no balcão. Ficou perfeito. Que momento lindo. Que lembrança! Quanta lembrança! Ufa...

A porta se abre. Seu marido chega. Ela olha feliz para ele e mostra a foto.

- Oi querida... nossa, onde você achou essa foto? Que saudade!!! Olha toda a turma aqui! Como o pessoal mudou. E riu alto. Olha a Ana, como estava magra; o Lúcio como tinha cabelo ainda; o João e a sua napa inconfundível; a Carol como sempre com esse sorrisinho falso; a Antonia e o cabelão de sempre; o Vítor e a Laura mais grudados do que nunca. E riu de novo. Onde você achou essa foto?

- Achei meio sem querer, no meio de outras fotos, num álbum antigo...

- Olha você aqui... sabe, ainda vejo a mesma mulher com quem eu me casei...você só melhorou com o tempo meu amor...

- Obrigada meu bem...

- Cadê a data? Aqui... a gente tinha acabado de ficar noivo né?

- Sim querido.

- Putz! Olha o White aqui... e essa sunga?!?!.
Riu mais alto ainda ao lembrar-se da sunga. Que saudade desse cara... não gosto nem de lembrar... até esses dias estava com a gente... Maldito câncer... bem que eu avisei várias vezes que o cigarro ia acabar com ele... mas... grande amigo...

- É... grande amigo...

- Ainda bem que eu estava batendo a foto... não ia querer que você me visse e me comparasse com o gordo de hoje.

E riu mais uma vez.
L.H.

22.05.2009

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Salvador?

(Parte IX)

Salvador sai em busca de informações precisas sobre Francisco. Em que pese os documentos pessoais estarem OK, o desespero de Maciel lhe alimentava uma certa insegurança sobre seu ex-cliente.

Vários telefonemas foram dados para os amigos delegados e nada de suspeito naquele homem.

Começou a acreditar que a insegurança alimentada não passava só de um simples desespero sentido por Maciel pelo remorso que talvez sentira em não ter entregado o assassino à polícia.

Tentou os amigos que trabalhavam em delegacias de outros estados e cidades, tentou procurar familiares, mas nada encontrou.

Depois de algumas semanas resolveu ligar para Maciel.

- Alô, Maciel?
- Oi Salva...
- Cara... não encontrei nada sobre o Francisco... nem aqui, nem nas cidades vizinhas, nem em outros estados...
- Hum... será que o nome dele é Francisco mesmo?
- Olha, chequei a veracidade dos documentos e estão ok... RG, CPF, Diploma, Carteira de motorista, tudo nos conformes...
- Você achou a certidão de nascimento dele?
- Sim, e está correta também...
- Viu o nome dos pais deles?
- Vi e não achei nenhum parente aqui na cidade... nem ele está mais no endereço que me deu...
- Então... esse é um indício da mentira desse cara... tenho certeza que algo estranho tem nesse cara...
- Calma Maciel, já virei a vida dele de cabeça para baixo... ele pode ter mentido uma coisa ou outra... mas acho que não é motivo para desespero...
- É sim Salva... esse cara vai matar de novo... pode ser que não seja amanhã, ou daqui um ano... mas ele vai matar...
- Posso te pedir uma coisa?
- Claro...
- Vamos esquecer isso vai... to com muito mais coisas para me preocupar... tentei o que pude, conforme você me pediu... mas fica difícil continuar porque eu não tenho nada de concreto em mãos...
- Você quem sabe meu amigo... eu entendo que você tem seus afazeres... mas... tudo bem, obrigado por ter se esforçado...
- Você sabe que sempre estou pronto para atender seus pedidos né... fiz o que pude... minha consciência está tranqüila... vamos tocar a vida, é o melhor que temos a fazer...
- Tá certo... é isso aí... vamos em frente... obrigado meu amigo...
- Abraços!
- Abraços!

E assim, Salvador encerrava definitivamente o caso de Francisco. Passou a cuidar da reforma de seu escritório e dos demais casos, com o mesmo ímpeto de sempre. Tudo voltava ao normal, à adorada rotina.

Quase esquecendo que possuía família, uma ligação de seu pai o fez lembrar dela. Era uma intimação para almoçar na casa deles no domingo. Iriam ter uma visita, como seu pai mesmo lhe disse.

[ ]

O domingo chegou, Salvador estacionou seu carro no outro lado da rua, porque no seu lugar costumeiro estava estacionada uma camionete, aquela mesmo que havia visto naquele dia em que foi buscar o rapé na casa de seu pai.

Ficou intrigado. Tocou a campainha, sua mãe abriu a porta e foi logo dizendo que tinham visita. Se sentiu um pouco apreensivo, porque não lhe diziam quem era a visita.

Desceu as escadas e chegou na churrasqueira. A visita era um convidado de sua irmã. Ela estava apresentando o namorado para a família. Finalmente ele o apresentara.

Parecia ser um bom rapaz, pelo menos essa era a impressão que havia ficado.

Depois do almoço, resolveu deitar-se e acabou cochilando a tarde inteira. Como fazia quando ainda era apenas um adolescente. Acordou, acabou ficando para o jantar.

Por um momento, enquanto seus pais interrogavam o rapaz, ficou observando as expressões de sua irmã. Estava contente e totalmente sem graça pelas perguntas feitas pelo seu pai ao namorado.

Prestou um pouco mais de atenção em sua mãe, percebeu o quanto ela ainda aparentava ser jovem. Poucas rugas, uma pele bem tratada, um corpo até que em forma. Parecia uma mulher de pouco mais de 35 anos.

Depois reparou em seu pai, que também estava muito bem. Fazia freqüentemente exercícios, cuidava da saúde, da alimentação, havia cortado os excessos.

Eram dois exemplos, como os pais devem ser.

Depois de todas as observações, interrompeu o interrogatório para comunicar sua despedida. Dentre os “fica mais um pouco”, “ainda tá cedo” e “vê se aparece mais vezes filho”, acabou por conseguir ir embora.

Passados alguns meses, seu pai liga.

- Filho, sua irmã sumiu... não aparece já faz um dia...
- Meu Deus, o que aconteceu pai?
- Não sei... ela disse que ia sair com o namorado e até agora nada... ligo no celular dela e cai direto na caixa postal ou ela desliga...
- E a mãe? Como está?
- Sua mãe foi viajar com uma amiga, no começo da semana, achei que ela tivesse te ligado...
- Não... não ligou... mas o senhor conversou com ela?
- Então fazem dois dias que não falo com ela, o celular só dá caixa postal... tentei no da amiga... mas tá na mesma situação...
- Bom, espera ela ligar, deve estar fora de área... ela vai ficar maluca quando souber... eu vou atrás da Miriam...
- Tenta ver se você consegue o telefone de alguma amiga... do namorado... porque ela não deixou o telefone dele...
- Ta, deixa comigo...
- Eu vou na polícia fazer o B.O.
- Tá bom, te encontro lá!

E assim, Salvador ruma para o cursinho em que sua irmã estudava. Chegando lá, pergunta por ela e por suas amigas. Mas as mesmas só dizem que ela não tinha ido ao cursinho ontem. Perguntou sobre o namorado dela e disseram que ele tinha ido viajar para a cidade dos pais e ainda não havia voltado, mas que haviam ligado a pouco para ele, para perguntar sobre a amiga, e disseram que ele achou estranho e que já estava voltando.

Salvador suava, suas pernas tremiam... pensou logo no que Maciel havia dito “ele vai voltar a matar”, imaginou que Francisco estivesse envolvido. Pegou o celular e resolveu ligar para Miriam.

Tocou uma, duas, três vezes e nada dela atender.

Não sabia mais o que fazer. Colocou o celular no bolso da camisa e decidiu ir em direção aos lugares que sua irmã costumava freqüentar.

Depois de alguns minutos sente o celular vibrar em seu peito. Era sua irmã.

- Alô menina! Você ta louca? Onde você tá? Ta todo mundo louco atrás de você!!

Ela não respondeu nada, apenas se ouvia o seu choro, entre inúmeros soluços.

- Fala comigo Miriam... onde você está? Não importa o que aconteceu, eu vou te buscar...

Ela continuava sem dizer uma palavra, somente o choro desesperador e os soluços.

- Meu deus Miriam, acaba com a minha agonia... me diz onde você está... por favor

Salvador começa a chorar.

- Minha irmãzinha, o que fizeram com você? – Dizia Salvador com a voz embargada...
- Mano – disse Miriam entre soluços – vem aqui, eu preciso de você...
- Eu vou... me diz onde você está...
- Eu não sei... eu tô meio perdida...
- Me explica como você chegou aí... tem alguém por perto?
- Não tem ninguém... tô sozinha – e a voz ficava cada vez mais desesperada.

Com muito custo, Salvador consegue identificar o local em que sua irmã estava, ligou em seguida para seu pai, e disse que ia buscá-la e que era para esperá-lo em casa.

A cada quilômetro rodado, o coração de Salvador ficava mais apertado. Miriam estava no mesmo campo onde havia encontrado o corpo de Rita. A voz de Maciel não parava de ecoar em sua cabeça “ele irá matar”, “ele irá matar novamente”, “pode ser que não seja amanhã, ou daqui um ano... mas ele vai matar...”.

Aumentou o volume do rádio, mas de nada adiantava. Sua consciência estava sendo impiedosa naquele momento.

Jurou para si mesmo que caso Francisco tivesse feito algo para sua irmã, iria matá-lo com as próprias mãos. Sentiu um ódio que nunca havia sentido em toda sua vida e, por pouco, não se envolve em um acidente.

Chegando ao local, parou o carro e sua irmã veio correndo ao seu encontro. Ela estava inconsolável e suja de sangue.

Abraçou-o com muita força, e a todo momento Salvador perguntava o que tinha acontecido. Queria saber quem a deixou ali, quem a havia machucado, porque estava tão desesperada...

- O que aconteceu Miriam? Você está machucada?
- Não... não estou..
- Mas de quem é esse sangue? Não é seu?
- Não!
- É de quem???

Nesse momento Miriam pega a mão de Salvador e o puxa em direção ao centro do milharal, chorando muito, mas sem responder as perguntas feitas por ele.

Chegando ao local, viu pedaços de vestido rasgado, viu também uma mulher nua, amordaçada, com amarras nos pés e nas mãos. As amarras eram feitas com pedaços do vestido rasgado. Olhando bem, parecia o corpo de Rita. Os ferimentos eram idênticos. A posição era a mesma. Olhou novamente mais atentamente para o rosto da mulher. Não acreditou. Era sua mãe.

Ficou desesperado. Desamarrou as mãos, os pés, tirou a mordaça. Mas não adiantava mais. Sua mãe já havia morrido asfixiada. Pelo menos é o que parecia através da marca em volta do pescoço. Os bicos dos seios haviam sido arrancados. Pelo corpo haviam marcas de mordidas, arranhões e inúmeros hematomas.

Não acreditava. Olhava, olhava, chacoalhava o cadáver. Não poderia ser sua mãe, ela estava viajando. Não era ela.

- Miriam, não pode ser!
- É sim...
- Mas ela não tinha ido viajar com uma amiga?
- Ela foi viajar... mas não com a amiga...
- Como assim? Meu deus... pára... não pode ser... chama uma ambulância logo caralho!
- Já chamei...
- Liga de novo porra!
- Eu já liguei – disse Miriam acabando-se em prantos inconsoláveis.

Estava impotente diante de tudo.

Dias depois Miriam lhe confessara que sua mãe estava tendo um caso com um homem mais novo. Estava tão distante de sua família que não conseguia perceber os dois pilares de sustentação da família estavam rachados.

Tentou encontrar Francisco, mas Francisco já não existia mais. Seus registros não existiam mais. Não havia uma foto sequer. Nada. Nem um deslize do maldito.

Não conseguia mais dormir.

Abandonou a carreira.

Abandonou a profissão.

Abandonou a si mesmo.

*** FIM ***

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Salvador?

(Parte VIII)

Após a saída de seu amigo, Salvador liga para Francisco.

- Francisco?!
- Oi doutor, alguma novidade?
- Nenhuma até o momento... você poderia vir até meu escritório agora?
- Sim, estou passando aí por perto mesmo.
- Estou te aguardando.
- Ok.

Já em sua sala, Francisco é orientado por Salvador.

- Olha, até agora parece que não há sinais de que a investigação tenha achado o corpo de Rita...
- E o que acontecerá agora doutor?
- Olha, como não acharam o corpo, é provável que se encontrarem alguma mensagem sua para ela, ou alguma ligação, o delegado irá te intimar para prestar depoimento.
- Entendi... mas, eu não gostaria de ser preso doutor...
- Fique calmo... você não será preso... será intimado a depor somente.
- Tudo bem... eu tenho uma viagem marcada essa semana, coisa do trabalho, posso ir sem problema?
- Pode ir sem problema, acredito que não irão encontrar nada que ligue você à Rita, assim, no dia que estiver de volta, me ligue para saber das novidades...

Francisco despede-se e Salvador volta à sua rotina normal.

Durante a semana, Salvador sempre dava um jeito de saber sobre o andamento do inquérito, mas não havia nada de novidades a respeito do desaparecimento de Rita.

Inquieto com a situação do inquérito, Salvador decide ir até o local do crime para averiguar se alguém havia encontrado o cadáver ou seus restos.

Chegando ao local, verificou que o milharal já não estava mais lá, era época de colheita!

Com isso, teve a certeza de que alguém haveria de encontrar o cadáver. Seria impossível não notarem uma pessoa morta no meio da colheita.

Chegando próximo ao local do crime, foi conversar com alguns homens que estavam recolhendo algumas espigas resistentes à colheitadeira.

- Bom dia, os senhores podem me informar se é esse terreno que está à venda?
- Bom dia... óia, num to sabendo de nada não, nóis é contratado por dia, num sei nem quem é o dono...
- Ah sim... obrigado e bom trabalho.

Despede-se dos homens, e segue mais um pouco pela estrada até avistar um senhor que não aparentava ser um bóia-fria. Parou o carro perto dele e tentou iniciar um diálogo.

- Bom dia, o senhor sabe quem é o dono dessas terras?
- Sou eu mesmo... porque?
- É que um boi meu escapou por esses dias, então tava perguntando por aí se haviam visto...
- Olha rapaz, o capataz tinha me avisado que umas semanas atrás um boi invadiu o milharal, e como o bicho tava bravo... teve que acabar com ele na espingarda mesmo... mas, eu não sabia que o boi era seu... achei que fosse do vizinho... e como não me dou bem com ele, nem falei nada... Mas, você me desculpe viu, vamos ver como eu posso acertar essa situação com você...
- Não senhor, eu é que lhe devo desculpas, acho que causei certo prejuízo com o milho aí, né?
- Olha, acho que prejuízo nós dois tivemos, e esse prejuízo tá meio parelho hein, pela quantidade de milho que o boi comeu... O que acha da gente deixar elas por elas?
- Por mim tudo bem... já que estamos acertados preciso ir, estou atrasado... me desculpe a pressa, tenho um compromisso marcado para daqui a pouco, foi um prazer conhecer o senhor!

Se despediu do homem, e, ao entrar no carro, escuta um chamado.

- Viu rapaz! Foi um ou dois bois? Porque o rapaz que tava operando a colheitadeira acabou passando por cima de duas ossadas... ele tava fazendo a colheita no meio da noite e percebeu só quando já estava em cima da ossada...
- Olha, acho que seu capataz acabou matando o boi do vizinho também hein (e deu uma leve risada).
- É, pode ser... você acabou de comprar terra por essas bandas? Nunca te vi por aqui!
- Na verdade foi meu pai quem comprou, como ele está viajando, pediu que eu viesse dar uma averiguada por aqui... para ver se encontrava o boi...
- Ah sim... bom, se precisar de alguma coisa, estou a disposição, meu nome é Ronaldo Romão, estou toda semana por aqui...
- Opa... desculpe não me apresentar... meu nome é André... assim que meu pai chegar eu apareço com ele por aqui e a gente conversa mais... me desculpe pelo inconveniente causado mais uma vez... abraços.

Dessa vez, despediu-se definitivamente do homem.

Voltando ao escritório, estava agora com a certeza de que não conseguiriam incriminar Francisco. O corpo da vítima havia desaparecido. Mesmo que investigassem as chamadas do celular, e as mensagens do computador de Rita, nada indicaria que houvera um assassinato.

Deu-se por satisfeito, até então.

Iniciada uma nova semana, Lucélia avisa que Francisco virá na parte da tarde.
Chegando, Francisco entra na sala.

- Bom dia doutor, tem novidades?
- Bom dia Francisco, tenho sim. E são ótimas por sinal.
- O que pode ter de ótimo?
- Andei investigando, fizeram a colheita do milho no local do crime, e a ossada de Rita foi triturada por uma colheitadeira. A de Rita, e a de um boi morto. Ou seja, sem o corpo, a polícia vai constatar um simples desaparecimento e não um assassinato, o que livra você de qualquer acusação.
- Mas e as ligações? Os recados no computador?
- Olha Francisco, pelo que você me disse, vocês estavam iniciando um romance não é? O que há de mal nisso? Nada! Entendeu?
- Sim...
- Então, pode voltar à sua rotina normal, e, caso seja intimado a depor, você compareça aqui para que eu possa te dar mais algumas orientações.
- Com certeza. Muito obrigado por tudo.

Assim, Francisco despede-se e sai da sala. Salvador volta, também, à sua rotina normal. Aliviado pelo caso ter tido uma ótima solução.

Após dois meses de iniciadas as investigações, o delegado não consegue concluir o inquérito sobre o desaparecimento de Rita. Não haviam encontrado o corpo, muito menos investigado os computadores da empresa onde ela trabalhava. Nem as ligações recebidas por Rita foram investigadas.

A imprensa não havia dado muita repercussão para o caso, uma vez que tratava-se de mais um caso de desaparecimento, mais um que virava número de estatística.

É claro que a imprensa marrom noticiara o desaparecimento com certo alvoroço, levando os filhos e os parentes de Rita para chorar em frente às câmeras. Mas não havia pressão no trabalho da polícia para solucionar o caso. Já haviam ouvido o depoimento do ex-marido de Rita, dos colegas de trabalho e de alguns parentes, no entanto, nada conclusivo. Ou seja, o culpado pelo desaparecimento de Rita, até então, era a mesma.

Passado mais um mês, o inquérito caiu no esquecimento, e ao tentar obter algumas informações a respeito do mesmo, Salvador ligou para a delegacia e ficou sabendo que o inquérito havia se encerrado. Como já havia sido noticiado na imprensa, Salvador poderia se passar por mais um curioso, sem que o delegado desconfiasse de inúmeros questionamentos.

Como o inquérito estava encerrado, Salvador comunicou Francisco que o caso havia se encerrado, e, que eles não corria mais perigo algum. Francisco agradeceu e despediu-se dizendo que iria até o escritório acertar o restante dos honorários. E, assim aconteceu. Salvador encerrou o caso e mandou-o para o arquivo morto, junto com os demais casos.

Algumas semanas após o encerramento sobre o caso, Salvador, que estava em seu apartamento, recebe uma visita inesperada. Era Maciel.

- Salva, podemos conversar um pouco?
- Claro Maciel, entra. Vá sentando, vou pegar umas cervejas...
- Não estou conseguindo dormir...
- Mas o que está acontecendo? É alguma coisa o trabalho?
- Não, é a respeito do caso do Francisco... não consigo ver mais aquela família chorando pelo desaparecimento de Rita... os filhos na TV... vi outro dia... estão desesperados pela volta da mãe... a imagem não me sai da cabeça...
- Relaxa cara... não se preocupe com isso...
- Como não vou me preocupar? A gente sabe o que aconteceu com a mulher... eu sei, você sabe... ela não sumiu, Salva!
- Vou te confessar uma coisa, eu também fiquei abalado depois que vi o cadáver da mulher... parecia que havia sido atacada por um bicho... pensei que fosse impossível que um ser humano pudesse causar tanta crueldade à alguém... pensei até em abandonar o caso... como você me pediu...
- Tá vendo, esse cara é um monstro... ele não é normal, ele precisa de tratamento... precisa ficar longe das pessoas...
- É, mas depois da análise que você fez nele, percebi que ele não é culpado por ser assim...
- Como não Salvador? Ele é culpado sim, ele sabia o que estava fazendo a todo momento...
- Maciel, os culpados são os pais... eles que fizeram com que o menino crescesse tão cruel...
- Sim, mas a sociedade não pode pagar pelos erros... não pode sofrer as conseqüências dessa má-criação!!! Ele irá fazer novamente... eu tenho certeza...
- Mas o que a gente pode fazer então? A segurança pública é uma responsabilidade da polícia, não nossa!
- Acho que deveríamos entregar esse cara à polícia...
- Como assim Maciel? Não posso fazer isso... é totalmente antiético... mesmo que eu quisesse... eu não posso fazer isso...
- Claro que pode... um telefonema anônimo... uma carta anônima... sei lá... você, melhor que ninguém, sabe como fazer...
- Mesmo que eu quisesse entregar o cara, nós não temos provas que o incrimine...
- Como não?!?! E a fita que você gravou com a confissão dele???
- Eu não posso fazer isso... isso não é uma prova... é material meu... não posso enviar isso à polícia... nem mesmo a polícia pode tirá-lo de mim...
- Meu Deus Salvador! Pense nessa família sofrendo... pense nos filhos dessa mulher... olha o desespero das crianças...
- Maciel, eu como advogado não posso me envolver emocionalmente com esses casos... é a minha função... não posso entregar meu cliente...
- Mas o cara precisa ser preso... ele vai voltar a matar... imagina se ele mata a sua irmã? O que você ia fazer? Entregar o cara na hora! Tenho certeza disso...
- Maciel, já disse que não posso agir como se estivesse envolvido emocionalmente com o caso... infelizmente essas coisas acontecem... e podem acontecer com qualquer um... com qualquer família...
- Mas você vai ficar indiferente a essa situação? Você pode tirar um criminoso das ruas e colocar a sociedade fora de risco...
- Maciel... você tá bem? Eu não sou o salvador da pátria não... a polícia que tem o trabalho de fazer isso... o meu dever está bem definido...
- Bom, já vi que você está irredutível... infelizmente...
- Que isso meu amigo... porque está agindo dessa forma comigo? Até parece que sou culpado por esse crime.
- Nesse crime você não tem culpa... mas no próximo com certeza terá... você está sendo omisso...
- Meu deus!!! Olha... não quero brigar com você... te conheço há tanto tempo... é um irmão para mim...
- Eu também não quero brigar com você, mas também não quero ser um dos responsáveis por deixar esse maníaco a solta... eu preciso fazer algo e você também precisa fazer...
- Tudo bem... tudo bem... o que você acha que pode ser feito, sem envolver a polícia, é claro!
- A gente precisa internar esse cara...
- Como internar? Ele precisaria consentir, a família precisaria...
- Que família?!?!?! Eu não te disse que ele fugiu de casa com 11 anos e passou a viver em orfanatos???
- Ele relatou que morava com a mãe... será que ele foi adotado?
- Claro que não... é uma mentira dele... não disse que esse cara ia mentir para você...
- Calma, ele pode ter sido adotado por alguma mulher, oras...
- Salva, eu avisei que ele poderia mentir para você...
- Olha, vamos fazer o seguinte, amanhã eu verifico o endereço dele, vejo quem mora com ele e a gente estuda um plano prá internar esse cara tá bom assim?
- Por enquanto é o que podemos fazer não é?
- É, só podemos fazer isso...

Maciel despede-se dando o último gole na cerveja. Salvador desliga a televisão e vai dormir.


*** CONTINUA ***

terça-feira, 26 de maio de 2009

Salvador?

(Parte VII)

Acorda com a Dona Angélica lhe cutucando...

- Menino? Você dormiu na sala??
- Oi (disse limpando a baba)... hein?!...
- Menino, você dormiu na sala... meu Deus... e essa garrafa de bebida?!? Vazia?!!?
- É... é...
- Já entendi... vou fazer um café forte prá você...
- Que horas são?
- Sete e meia... o horário que eu sempre chego... vai tomar um banho vai...
- Ó, tem dinheiro ali perto do telefone... pro pão e pro mercado...
- Tá bom menino... vai logo tomar seu banho.

Partiu para o banho. Enquanto deixava a água escorrer pelo corpo, a imagem de Rita lhe voltava à mente. De novo não, pensou. A cabeça doía. Abriu os olhos e ficou olhando a água cair pelo seu corpo. Terminado o banho, enxugou-se e deitou na cama.

Meu Deus do céu, eu nunca vi alguém ser tão cruel, pensou.

Levantou-se, parou na frente do espelho, olhou-se como se quisesse ver sua alma, e, seus olhos encheram-se de lágrima. Que culpa teve Rita? Porque mereceu tal infortúnio? Pensou mais uma vez.

- Ei! Você é um advogado! Esqueça o sentimento! Faça o seu trabalho! Dê a garantia imaculada da ampla defesa para seu cliente! Disse em voz alta para si mesmo.

Respirou, encheu-se de ânimo, e vestiu-se. Tudo havia sumido, o cheio do cadáver, a imagem de Rita. Tudo havia voltado ao normal. Foi até a cozinha.

- Menino, você está bem? Tá caidinho...
- Não é nada não... é cansaço... estresse...
- Tem que tomar cuidado... isso mata... e você é novo... tem que aproveitar mais a vida... olha seu pai e sua mãe... os dois bonitões... passeando, viajando...
- É... eu vou frear um pouco. Disse da boca prá fora, só para que Dona Angélica não encompridasse mais a conversa.
- Isso mesmo. Olha, fiz o sanduíche, acabou de sair da sanduicheira.
- Põe numa vasilha prá mim? Vou levar para o escritório.

Partiu para o escritório, mas antes, entregou a vasilha para o porteiro. Não ia conseguir comer nada. Seu estômago estava revirado e aquele gosto de cabo de guarda-chuva teimava em não sair, mesmo depois de 3 balas de menta.

Chegando ao escritório, antes mesmo de Lucélia, liga o computador e fica inerte diante do mesmo. Onde estaria aquela vontade, aquele ânimo que há pouco havia lhe acometido? É! O caso de Francisco estava lhe sugando. A crueldade nua e crua na sua frente.

Uma coisa era o cara roubar ou atirar em alguém por ocasião da situação. Aquela crueldade não poderia existir nos seres humanos. Pensou.

E pela primeira vez pensa em abandonar o caso. Não poderia defender alguém tão cruel, que matasse simplesmente por prazer. Nem os animais (irracionais) fazem isso.

Nisso, o telefone de sua sala toca, nem tinha se dado conta do tempo que já havia passado naquela manhã.
- Doutor?!
- Oi Lucélia...
- É o Dr. Maciel, posso transferir a ligação?
- Sim, sim...

[...]

- Alô? Maciel?
- Oi Salva... que cliente você arranjou hein... posso passar aí prá gente conversar?
- Pode vir... tô te esperando... abraços
- Abraços...

Enquanto espera Maciel para um pouco em frente a janela e contempla o nada. Lembrou das aulas de ética, principalmente quando o professor dizia que o advogado criminal não é obrigado a considerar sua opinião sobre a culpa do acusado. Além disso, essa conduta era um dever do causídico que assumira tal encargo.

Não iria mais se importar com a culpa do seu cliente. Com a crueldade com que ele tratou a vítima. Não queria saber se ele tinha ou não prazer em fazer aquilo. Era advogado e sua função era defendê-lo de todas as injustiças que poderiam ser cometidas.

Novamente toca o telefone de sua sala, era Lucélia avisando sobre Maciel. Prontamente mandou-o entrar.

- Como vai meu amigo?
- Salvador, o caso é muito sério...
- Calma cara, bom dia primeiro né...
- Realmente você acertou, é um psicopata, dos mais perigosos. Assassino em série...
- Peraí!? Em série? Ele te confessou algo além desse crime?
- Não... mas, com certeza irá cometer crimes iguais, com mulheres de mesmas características, como idade, cor do cabelo, cor da pele...isso se já não cometeu...
- Olha... até onde eu verifiquei todos os documentos dele estão ok, e não tem nenhum outro crime de qual ele seja acusado...
- Aqui em Londrina que não tem né...
- Não... pesquisei na região...
- Bom, ele tem o perfil de um assassino em série...
- Como você chegou a essa conclusão, me diga...
- De acordo com a história de vida que ele me contou, ele sempre foi muito pobre, tinha 6 irmãos, todos com problemas mentais, os pais eram primos-irmãos, e, ele era o único que não saiu retardado, como ele mesmo disse... e, como viviam em uma casa muito pequena, todos dormiam no mesmo quarto... por várias vezes flagrou seus pais tendo relações sexuais, onde seu pai batia, espancava e fazia vários tipos de sevícias com sua mãe...
- Entendi o porquê da crueldade desse cidadão...
- Calma, ainda tem coisas piores... seu pai teve uma doença onde surgiam várias feridas pelo corpo, e ele é quem era obrigado a fazer os curativos, e quando não o fazia, sua mãe o espancava... por muitas vezes teve que remover a carne necrosada e podre do corpo de seu pai...
- Que coisa!
- É, depois de um tempo, já que seu pai não conseguia mais ajudar no sustento da casa, sua mãe começou a se prostituir, e para ludibriar o marido, levava Francisco junto, como um álibi, para dizer que estava trabalhando como doméstica na casa de senhoras...
- Sei...
- Mas o pior é que ele era obrigado a ir com a mãe nos programas, e, se olhasse para ela no momento do ato sexual, era espancado, tanto pela mãe, quanto pelo cliente dela... uma certa vez, ele relatou que quebrou a perna, tamanha a violência... e, pasme... tudo isso ocorreu quando ele tinha apenas 8 anos de idade... aos 11 anos fugiu de casa com uma irmã, e acabaram indo parar em um orfanato... como ela tinha olhos verdes...acabou sendo adotada, mesmo com algum retardo mental... e ele... acabou fugindo...
- Maciel, que vida... coitado deste homem... e você conseguiu extrair mais alguma coisa dele?
- Acho que apenas 30% da vida dele ele me contou... falou sobre algumas namoradas... sobre empregos... mas nada muito aprofundado... apenas falou que não conseguia trabalhar por muito tempo nos empregos e que suas namoradas achavam ele meio agressivo durante a relação sexual... Por isso que te digo que esse homem é perigoso...ele não parece reagir muito bem às emoções, ele é muito frio...calculista... parece não se importar com o sentimento das outras pessoas...
- Ele disse algo sobre a Rita?
- Ele descreveu friamente como a matou... não esboçou qualquer tipo de reação... típico comportamento psicopático...
- Pois é... depois de tudo que esse homem passou na vida...
- Salva... ele não é um coitado... você sabe disso... esse cara tem que se tratar... ficar preso... no manicômio... sei lá... pra mim... esse cara teria que ser morto...
- Maciel... eu sou um profissional... se eu assumi esse caso... vou levá-lo até o fim... é o dever de minha profissão... não posso acreditar que ele é um monstro... uma pessoa irrecuperável... tudo o que ele se tornou hoje, não foi por opção... ele foi levado a fazer tudo o que fez... eu não o culpo... seus pais é que foram os maiores culpados...
- Só que ele não pode permanecer solto... ele irá matar sempre... está implícito na personalidade dessa... dessa coisa... esse cara não tem recuperação... ele tem que passar o resto da vida em tratamento... não há cura... você tem que entender isso...
- Como não há cura Maciel? Ele é um ser humano... pode ter defeitos... defeitos terríveis com certeza... mas isso não descaracteriza como humano... eu acredito que ele pode se tratar sim, eu tenho esperança em poder recuperá-lo... e, não sei se a cadeia, ou o manicômio seriam ideais para a cura deste homem... e outra não há como prevermos se ele irá matar novamente ou não... ele não te confessou nada...
- Não é porque não tenha confessado que não tenha feito... você sabe que o comportamento dele será sempre o mesmo... não mudará nunca... a personalidade dele é defeituosa... não tem correção...
- Será Maciel? Eu vasculhei a vida desse cara... não encontrei nada que o incriminasse... nem uma multa de trânsito sequer... acredito que, com o tratamento adequado ele se recuperará
- Salva, não seja inocente... esse tipo de criminoso é muito ardil... ele pode usar nome falso, diploma falso, documentos falsos... ele pode estar te enganando e você nunca saberá...
- Calma Maciel... eu chequei tudo... e outra... não adianta você se desesperar, eu vou até o fim... já assumi essa causa...
- Bom, você quem sabe meu amigo... tome muito cuidado... muito cuidado... esse ser não merece andar solto pelas ruas... pelo bem da sociedade faça ele se entregar...
- Fique tranqüilo... eu farei o que tiver que ser feito...
- Espero que faça o certo...

E dessa forma a conversa havia se encerrado. Maciel deu um tapinha nas costas de Salvador que correspondeu.

Salvador sentia que suas forças decididamente haviam se renovado. Não via mais uma pessoa cruel em Francisco, via sim, uma criança indefesa tentando buscar a solução de problemas que nem ela mesma conhece.

*** CONTINUA ***

terça-feira, 19 de maio de 2009

Salvador?

(Parte VI)

Salvador, depois de algumas horas de trabalho, decide que o expediente deveria encerrar por ali, desliga seu computador, verifica se todas as luzes de seu escritório estão apagadas e se Lucélia esqueceu de algo. Fecha a porta e parte para a garagem. Estava todo orgulhoso, pois a reforma em seu escritório estava ficando muito boa.

Já dentro de seu carro liga o rádio, não consegue achar uma estação que lhe agrade, abre o porta-luvas, vasculha os CD’s e acha o ABBEY ROAD ALBUM. Já havia se esquecido do quanto gostava deste CD. O trabalho lhe estava tomando um precioso tempo na vida, mesmo assim, não se importava muito com isso. Achava que esse era o momento de dar o melhor de si na profissão.

As sementes já estavam plantadas logo logo iria colher os frutos.

Partiu para seu apartamento ao som de Here Comes the Sun, estava tão exausto que já não queria pensar em mais nada. Entrando em seu duplex, olhou a geladeira e sentiu saudade da comida de sua mãe. Ele esqueceu de deixar o dinheiro para Dona Angélica fazer as compras. Suspirou, decidiu tomar um banho e depois pedir algo para jantar.

De banho tomado, liga para uma pizzaria e pede uma pizza grande, estava faminto. Seu celular toca. Vai até a sala e verifica que é uma chamada não identificada. Atende mas não ouve nada. Somente um suspiro. Acha estranho, mas não dá importância. Senta no sofá, liga a TV, procura algum canal até que encontra um que está passando House. Era um episódio que ainda não tinha assistido, e, assim, fica esperando a pizza chegar.

Estava se sentindo um pouco incomodado. Não conseguia arrumar um jeito de deitar no sofá. Até que percebeu que não estava conseguindo se desligar do caso do Francisco. Aquela imagem do cadáver de Rita aparecia toda vez que fechava os olhos. Respirou fundo, disse para si mesmo “ei... é só mais um caso...”, mas não parecia funcionar.

A pizza chega. Estava sentindo um misto de fome e ânsia. Aquele cheiro de carniça parecia voltar com alguma intensidade. Foi até o quarto, pegou no bolso do paletó o pote de rapé. Colocou uma grande quantidade e inalou. Espirrou com muita vontade, com tanta vontade que chegou a ficar levemente zonzo. Deitou na cama e esperou alguns minutos.

Sentiu uma certa melhora, levantou-se e foi até a cozinha, pegou dois pedaços de pizza, uma lata de cerveja e sentou-se no sofá da sala. O House já tinha terminado, mudou de canal, mas nada lhe agradava. Desligou a TV, pegou os classificados e começou a vasculhar os anúncios como forma de aplacar seu estado. Entre anúncios de carros e casas de massagem, sentiu que aquela noite seria longa.

Não conseguiu comer mais nenhum pedaço de pizza. Estava novamente sentindo ânsia. Respirou fundo novamente. Fechou os olhos. A imagem do cadáver voltou juntamente com o odor de carniça. Sentiu um amargo na boca, e andou até o banheiro. Levantou a tampa da privada e vomitou. Ficou ali parado em frente ao vaso por alguns segundos. Lavou o rosto, enxaguou a boca e foi deitar.

Não conseguia dormir.

Foi até cozinha, pegou a garrafa de Jack Daniels e tomou no gargalo mesmo. Levou a garrafa até a sala, olhou na disqueteira, pegou um CD do Pink Floyd, pôs para tocar, desligou a luz e ficou bebendo ao som de Astronomy Domine.


*** CONTINUA ***