sexta-feira, 31 de agosto de 2007

O Anti-herói

Acabara de sair do trabalho, já passavam das sete e meia da noite.
Dirigiu-se ao estacionamento, desceu até o primeiro subsolo, seu veículo sempre na mesma vaga.
Não costuma correr, estava indo para casa mesmo, sempre saía muito estafado do serviço, correr seria um perigo!
Andava na média dos 40, 50 quilômetros, raramente ultrapassava essa velocidade, muito raramente.
Passou pela cancela do estacionamento, adentrou à Rua Mato Grosso e seguiu.
Virou à esquerda, na Rua Sergipe, e continuou seu caminho.
Durante o trajeto, foi pensando na vida que estava levando, no trabalho, nos amores que viveu, nos amigos que havia feito, foi quando percebeu que nunca, em toda sua existência havia feito algo demasiadamente errado.
Sempre era muito sincero com todos, os amigos o admiravam, era um cara engraçado, bacana, com uma conversa agradável.
Em casa era adorado por boa parte da família, o exemplo. No trabalho, apesar da pouca idade, era um homem respeitado pelo seu caráter e conduta ilibada.
Apesar de tudo, sempre teve uma queda pela transgressão, mas, nunca deixava essa vontade aflorar.
Sempre foi-lhe reprimida, talvez pela responsabilidade que aprendeu a ter desde moleque.
Mas hoje, logo hoje, esse ímpeto reprimido estava lhe incomodando. Ele sempre controlou fácil essa necessidade.
Mas hoje era diferente.
Ele sempre se sentiu diferente de todos os amigos, dos irmãos, dos primos, todos o olhavam como o ser humano ideal, o PERFEITO.
E isso o incomodava. Mas também nunca havia dito nada a ninguém, nem a si mesmo, apenas aceitava essa condição, e nada fazia para ultrapassar essa linha da razão.
Ele não queria mais ser o perfeito, queria ser igual, queria poder errar sem se sentir culpado, queria poder largar a louça suja na pia, poder mijar na tampa da privada e largar lá sem limpar, beber até cair, afinal de contas nunca tinha tomado um porre na vida. Queria na verdade é sentir a brisa da liberdade bater em seu rosto. Deixar pra trás essa mochila pesada da responsabilidade.
Chegando ao final da rua Sergipe, virou à esquerda na J.K., como sempre fez.
Pela J.K. pensou, “chega de fazer tudo igual”, “vou começar mudando de caminho”, e assim o fez, ao invés de descer à Rua Alagoas, desceu a Pará.
Ao dobrar a esquina, com toda atenção desviada para seus pensamentos, não percebeu e acabou por atropelar um cachorro, um vira-latas pequeno, daqueles marronzinhos, com o rabo comprido. Só ouviu os ganidos de dor e o barulho da freada.
Desesperado, parou o carro no meio da rua mesmo, desceu e foi olhar o cachorro.
Meu Deus, nunca na vida havia matado um animal, muito menos feito mal à algum, sentiu remorso pelo ocorrido, sentia-se mal, muito mal mesmo. Onde estava com a cabeça?
Chegou mais perto, e percebeu que o cachorro ainda estava vivo, respirando.
Olhou para os lados, não havia ninguém. Ninguém tinha presenciado o atropelamento, apenas uma residência ali havia, com todas as luzes apagadas e sem carro na garagem, o resto eram prédios comerciais, sem vigias noturnos e sem porteiros. Nenhum transeunte, ninguém mesmo.
Prostrado ali na frente do cachorro, que agora estava agonizando, não teve outra atitude senão a de colocá-lo dentro do carro, levando-o até i hospital veterinário.
Chegando, conversou com o estagiário que lhe explicou que não era nada muito grave, o carro não havia passado por cima dele, o que seria fatal pelo porte do animal.
Não entendeu muito bem o que aconteceu, o que importava é que o cachorro estava vivo e iria ficar bem.
Deixou o pequeno animal aos cuidados do pessoal e voltou para sua casa, sem pensar em nada.
Nas semanas que se passavam, ia visitar todo dia seu mais novo amigo. Até que teve alta médica.
Agora poderia voltar para casa. Como tinha achado o cachorro na rua mesmo, não deveria ter para onde ir, foi até uma pet shop, comprou ração, uma casinha, uns brinquedos e o levou para sua casa.
E assim seguiram-se os meses, toda família já estava acostumada com o novo membro, os sobrinhos adoravam brincar com o “marronzinho”.
Não havia mais tido aqueles pensamentos que tivera no dia do atropelamento. Tudo estava como antes. Nada havia sido alterado. A mesma rotina de sempre.
Na volta para casa, num dia qualquer depois do trabalho, resolveu alterar seu trajeto novamente, e descer de novo a Rua Pará, dessa vez mais devagar e com mais atenção.
Foi quando notou, em cima do portão da casa, aquela mesma casa que meses atrás estava com todas as luzes apagadas, uma faixa com os seguintes dizeres – CÃO DESAPARECIDO – Atende pelo nome de Tóin! Criança doente! Gratifica-se! – ao lado dos dizeres tinha a foto do marronzinho.
Neste momento sentiu um nó na garganta, daquele bem seco, de fazer perder os sentidos e estacionou o carro bem em frente à casa, só que do outro lado da rua.
Recobrou a consciência, e percebeu, agarrado no portão, um menininho loirinho, chorando, e chamando por Tóin. Percebeu também que o vão das grades do portão eram espaçados, e, possivelmente, por ali o cachorro teria escapado.
Fez uma menção de sair do carro para conversar com o menino, mas achou melhor não.
Seguiu seu caminho, chegando em casa, ninguém estava, somente o marronzinho lhe recebia abanando o rabo.
Chamou-o pelo nome de Tóin, e o mesmo prontamente atendeu, com latidos e pulos. Havia pegado muito amor no bichinho, e parecia que era recíproco.
Teve dúvidas, mas mesmo assim colocou o cachorro no carro e rumou para a casa do menininho.
Chegando, viu que o menino não estava mais no portão. Tocou a campainha, e logo um senhor de idade, alto, cabelos bem brancos, quase um albino, abriu.a porta e disse:

Pois não?
Oi, eu tava passando por aqui e vi essa faixa do cachorro desaparecido...
Sim?
Acho que eu encontrei o Tóin...acho que é ele...
Onde está? – o velho disse, esboçando um sorriso largo no rosto
Tá aqui no carro... ele apareceu em casa fazem uns dois dias, estava com muita sede e fome, fedendo à carniça, peguei dei um bom banho, água e comida...
Nesse momento o Tóin salta pela janela do carro e corre em direção ao portão, entra pelo vão e salta, latindo, nos braços do velho.
Ora se não é o Tóin (os olhos do velho encheram-se de lágrimas)...mas você está bem tratado hein mocinho – dizia enquanto levava várias lambidas no rosto e na boca. Muito obrigado por você ter cuidado dele viu, meu netinho estava muito, muito triste esse tempo todo. Acredita que nem na escola ele queria ir mais? Ficava horas e horas nesse portão chamando pelo danadinho aqui...
Eu posso imaginar senhor...
Nós saímos um dia, já fazem alguns meses, para buscar meu netinho numa festinha de aniversário, e quando voltamos o Tóin não estava mais aqui. Ele entrou em desespero, imagine, o menino queria levar o cachorro para a festa de aniversário (gargalhou), eles são unha e carne. Ah! Espere só um minuto sim, já venho (a medida que o velho ia para dentro da casa ouvia-se os gritos de felicidade do menininho e de mais algumas pessoas, seguidas de gostosas risadas e latidos).
Voltando, o velho disse:
Rapaz, muito obrigado pelo que você fez viu, pode ter certeza que ajudou muito uma família, uma criança. Como tinha colocado no cartaz, ta aqui o cheque da gratificação.
Obrigado senhor, eu agradeço muito...
Que nada meu bom moço, não precisa agradecer...eu é que tenho que te agradecer

Saiu da casa, entrou no carro, olhou o cheque, o valor era bom, muito bom, quase o seu salário inteiro, “é realmente o pessoal gostava mesmo do Tóin” pensou.
A partir daí não pensou em mais nada, apenas sorriu aliviado.

LH.
31/08/2007

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

E daí?

Tenho nos olhos quimeras
Com brilho de trinta velas
Do sexo pulam sementes
Explodindo locomotivas
Tenho os intestinos roucos
Num rosário de lombrigas
Os meus músculos são poucos
Pra essa rede de intrigas
Meus gritos afro-latinos
Implodem, rasgam, esganam
E nos meus dedos dormidos
A lua das unhas ganem
E daí?

Meu sangue de mangue sujo
Sobe a custo, a contragosto
E tudo aquilo que fujo
Tirou prêmio, aval e posto
Entre hinos e chicanas
Entre dentes, entre dedos
No meio destas bananas
Os meus ódios e os meus medos
E daí?

Iguarias na baixela
Vinhos finos nesse odre
E nessa dor que me pela
Só meu ódio não é podre
Tenho séculos de espera
Nas contas da minha costela
Tenho nos olhos quimeras
Com brilho de trinta velas
E daí?

Milton Nascimento e Ruy Guerra

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Sara sim

Sara
Tanta coisa já se passou...
Amores, fotografias, filmes e novelas...
Domingos, sábados, feriados, verões, carnavais...
Até aquilo que achavam que não ia passar... passou.

Tudo passa... assim como tudo sara.
É Sara! Tudo sara!
sara sarando... sara passando...
Mas sara!

Talvez não agora... talvez não lá fora...
sara aqui dentro... sara depois...
Quem sabe em 10 anos
Quem sabe em 2

Talvez sare com reza braba
Talvez, sare com magia
Ou quem sabe até com terapia
Mas sara!

sara aqui... sara ali... sara prá lá
cicatriza a ferida, aquela coisa doída
mesmo estando toda dolorida
sara. Mas, não já!

sara para todo mundo
Para todo mundo, Sara.

Então, não diga mais: não sara.
Diga sim, Sara!
sara sim, eu sei que sara!

De agora em diante
Vai por mim, sim?
Sara sim!


LH.
24/08/2007

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

A razão... Há razão??

Quando te encontro, assim, depois de tanto tempo, me pergunto: por que? Qual o porquê desse encontro desencontrado?

Hoje não consigo entender qual o motivo que uniu nossas vidas!

Você continua linda como a primeira vez que te vi, mas, agora é diferente! Aquele sorriso, mesmo sendo falso, aliviava meu peito por eu achar verdadeiro. Aquela voz gostosa, o som saindo meio sem querer sair da boca. Aquele gesto suave, tão frágil, que se fizesse um movimento brusco parecia que você iria se quebrar toda.

Esse encontro desencontrado me trouxe lembranças boas. Apesar de serem poucas, foram marcantes!

Mas, mesmo com tudo isso, ainda continuo a pensar: por que?

Existe mesmo uma razão para os encontros da vida?

Como eternizou o poetinha, a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida. Lendo isso, paro, penso. Nossas vidas desencontradas encontraram-se para novamente se desencontrar. E por qual motivo???? A razão de não se ter razão?
O que acrescentastes na minha vida? Nada!

O que acrescentei na sua? Não sei... Sei lá... Você nunca me disse e eu também nunca perguntei... Mas, ainda acho que você me deve alguns meses de minha vida... É ... ´xá prá lá ....

Só sei que esse encontro de hoje foi despretensioso como o primeiro. Tudo foi igual – um local que costumeiramente freqüentamos, você continua linda, o sorriso idem, a voz ibidem, os gestos... Acho que só a razão não foi a mesma.

Mas, peraí, que razão???

[...]

É, até a razão foi igual!!!

LH.
23/08/2007

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

O Zero

Sim, talvez eu seja aquele que tornará seus dias mais azuis, suas tardes mais amenas e suas noites inesquecíveis.
No entanto, talvez você prefira viver os dias cinzentos, as tardes atordoadas e as noites superficiais.
Mas, haverá um momento na vida em que a alegria efêmera será incômoda, e a ânsia por momentos perpétuos será incessante. E neste momento se lembrará de meus desejos.

Mas, quem sou eu para dizer que teus dias são cinzentos, tuas tardes atordoadas e suas noites totalmente superficiais?

Desculpe!

É que eu, na minha vã imaginação, fico a delirar, vislumbrando que poderias ser muito mais amada ao meu lado.
E nesse momento cometo um ledo engano, pois, esqueço, quando te vejo, que o amor não é feito apenas de um sentimento, é feito de dois, que somados se tornam um, e diminuídos, nenhum.

Então, se dois menos um é zero, talvez eu seja o zero!

LH.
16/08/2007